domingo, 20 de janeiro de 2013

Arriscar, ou arriscar, ou ir pra casa


     Me pergunto quase sempre se estou fazendo a coisa certa e, na maioria dos casos, não sei responder. De certo que algumas coisas são obviamente erradas, mas será que não deveria arriscar o caminho que parece errado, no caso da duvida? Sabem, é como estar na beira de uma grande cachoeira e não saber se a água metros a baixo de você, encoberta pela nevoa da cascata, é funda o suficiente para pular com segurança. Esta historia pode terminar (num modelo simplista) de três formas. É sobre estas formas que queria debater um pouco hoje. E o porquê? Eu tenho vivido muito esta duvida e sempre tenho escolhido o caminho mais seguro... Sabemos bem que não se faz historia tomando os caminhos seguros e bem conhecidos! As grandes revoluções estão datadas nos dias em que homens comuns ousaram arriscar e deixaram, desde então, de ser comuns.
     E no que diz respeito a arriscar, me refiro a pessoa que na minha metáfora anterior, pula de olhos fechados rumo a superfície da água encoberta por névoa, sem sequer saber se ela existe. Estas pessoas simplesmente ignoram os riscos e as possíveis perdas, ou mesmo que as considerem, as desprezam. Estas pessoas sem duvida tem consigo um espírito de ousadia, que pode estar sendo movido pelo desespero, ou pela bravura, ou pela revolta... Algo fez com que valesse a pena arriscar se lançar numa mesa de apostas, sem nenhuma prerrogativa de êxito. Apenas alguns instantes depois do salto, a pessoa vai poder avaliar os frutos da sua decisão, se é que poderá.
     Dizem que a maioria dos suicidas que se lançam de prédios altos se arrependem pouco antes de chegar ao chão. Não confio muito neste resultado, uma vez que não tem como entrevistar a pessoa segundos antes dela chegar ao chão, porem posso dizer algo a respeito de quem acha pedras ao invés de água no fundo da cachoeira: Estas pessoas não vivem para contar a historia. Algumas vezes, ao arriscarmos, notamos que fizemos a pior escolha. Nem sempre a escolha é fatídica, mas ela pode ferir sim muitas pessoas (o que é potencialmente pior do que ferir somente você). Quando você nota que esta lá, quebrado e estirado nas rochas, talvez sem uma parte de si, talvez até sem si próprio, nada nem ninguém vai poder reverter o fluxo do tempo e te tornar de novo o que era antes do salto. Mesmo que os sangramentos acabem, as dores parem e as feridas se curem, as cicatrizes ficarão para sempre em você... Na sua pele, no seu coração, no seu sangue, no seu rosto... Olhe pra você hoje, nu, diante de um espelho. Você facilmente vai poder parar e rever cada mínima cicatriz... Você pode até não se lembrar da causa, mas ela está lá, e nunca vai sair...
     Porem não é só em pedras que pode terminar uma catarata. Existem os bem afortunados que saltaram rumo à sorte também, e não falharam. O salto é a melhor parte: O frio na barriga, o vento fresco que bate em seu rosto se arrasta por seu corpo como as mãos de um amante... É possível sentir as pequenas gotículas que formam a nevoa da cachoeira se chocando contra a nossa face, geladas e brilhantes, como pequenos flocos de neve flutuante. Os braços abertos nos dão a sensação de vôo, de libertação... Segundos que enquanto duram, são infinitamente longos. Após alguns instante, você sente seu corpo se chocar contra a superfície cristalina do lago abaixo da cachoeira, e quando seu corpo submerso se afasta do turbilhão, você pode desfrutar de alguns instantes de silencio sublime e incomparável, cercado da natureza intensamente viva e sublime do mundo debaixo d’água. Este êxtase de sensações contrastantes tem seu êxito final ao colocar seu rosto mais uma vez através do espelho cristalino e ser recepcionado pelo rei Sol, que orna e dá vida para toda a natureza ao seu redor...
     E todo este quadro se construiu sobre uma possibilidade, sobre um sorteio de dados. Já que falamos em possibilidades, vamos tentar quantizar um pouco nosso discurso: Digamos que você é um sujeito de muita sorte, ok? E pela manhã você gosta de pular cachoeiras para se divertir. Você têm experiência nisso, não pula em qualquer cachoeira, logo sua chance de acertar deve ser bem alta. Acho que você se daria uns 80%, ou ainda 90% de chance de acerto, mas eu confio muito mesmo nas suas habilidades, e vou confiar que suas chances  são de 99% de êxito. O que vou fazer agora pode ser estipulado com a ajuda de qualquer calculadora cientifica próxima. Caso você salte durante um ano completo, todas as manhãs, uma cachoeira, quais são suas chances de acertar todos os saltos? Só pra adiantar, vou falar de uma vez que o resultado dá por volta de 2,5%... Se eu fosse você começaria a me preocupar com esta sua maneira de viver a vida. Principalmente se você pretende fazer isso o restante da sua vida, o que podemos hipoteticamente dizer que serão mais 40 anos (o que te daria ai uns 14.610 saltos pela frente). Acho que você consegue refazer as contas com este numero e ver que a sua chance de escapar ileso é bem menos do que a de você “ganhar na mega”, ou ainda (sem muito exagero) de você ser atropelado por um bonde cheio de elefantes pintados de rosa, agora mesmo.
     O que fazer então, se por melhor que se seja em arriscar, vamos acabar mais cedo ou tarde dando com a cara contra as rochas? Aparece então o que chamo, sem muita nomenclatura formal, de “Ir para casa”. Se você está diante da catarata, pensando em pular, mas resolve ir para casa comer uma torta de amoras ou jogar videogame, você optou por este caminho. Vantagens e desvantagens? Esta é uma pergunta fácil de responder: Você pode refazer as contas que acabei de falar pra este caso, ok? Mas desta vez, a pergunta será “Se você nunca pular uma cachoeira durante 40 anos, qual sua chance de sair ileso à quedas de cachoeira mal sucedidas?” Este pergunta vai nos levar a um problema de probabilidade condicional, e vamos poder então determinar, mesmo sem contas, que a chance de você sair ileso é de 100%. A desvantagem, que pesa muito na cabeça dos adeptos deste caminho, são a de nunca poder desfrutas dos prazeres de que falei... Nem das gotículas brilhantes de água contra o rosto... Nem da serenidade do leito do lado... Nem do calor do Sol o recepcionando de volta à superfície...
     Tenho visto que eu e mais poucos amigos de verdade ainda optaram por “ir para casa” ao invés de arriscar se jogar. Não sou a pessoa certa pra postular qual seria o melhor caminho, nem acredito que exista tal pessoa. Posso afirmar sim que todos se arriscam a pequenos saltos todos os dias, saltos dos quais pouco devemos temer. Mas são os grandes saltos que nos fazem pensar em como agir. Assim como as guerras, eles nos categorizam em Heróis, Covardes e Cadáveres. Espero que no seu próximo salto, pense melhor, reflita... E se descobrir que pular é a melhor escolha e pular, pouco depois eu estarei lá, ou para te dar flores de congratulações, ou então para polas em seu túmulo.