sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Dos bons malefícios de estar apaixonado


     É bom poder chorar por alguém, por mais que o choro seja triste e frio. É bom poder sentir a dor de possivelmente perder alguém antes mesmo que isso aconteça, nesse processo no qual o que era comum ou dispensável se tornar uma necessidade diária. É bom se sentir sozinho durante a noite por lembrar que tem alguém em algum lugar no mundo que teria o dom de te fazer feliz com um único beijo de boa noite. É bom ter um sorriso que se tornou tão importante a ponto de valer mais que o de qualquer outro. É bom poder abrir a mesma foto parada na sua área de trabalho e perder duas horas arquitetando planos de um futuro hipotético e improvável juntos, ou ainda imaginando coisas bestas de livros ou desenhos que não tem nada haver com suas obrigações. É bom esperar por alguém num banco qualquer de um lugar deserto e ter medo de que no momento que for embora a pessoa irá aparecer e se sentir triste por você ter ido. É bom poder fechar os olhos em cada abraço dado e fechar os olhos para gravar na sua mente cada detalhe do momento, como cheiro da pessoa e como o seu coração se debatia contra o peito, só pra depois ficar deitado na cama olhando o teto e desejando que aquele instante fosse eterno.
     Ruim mesmo seria não ter com quem sonhar quando deita sozinho a noite... Isso seria muito triste... Obrigado.

sábado, 18 de julho de 2015

O Meu Homem Perfeito

Se tivesse que desenhar o homem perfeito faria algo dourado
Não por fora, mas por dentro do peito e da cabeça
Não pela inteligência ou pela sabedoria
Mas pelo amor ao simples e pela admiração do complexo
O homem perfeito não avaliaria o mundo, ele o admiraria
Do jeito que é, sem muita ânsia de mudança ou dificuldade de aceitação
Ele se amaria como é e amaria quem tivesse o que ele admira
E que admirasse nele mesmo as coisas que ele ama
O homem perfeito diria não quando não gostasse e sim quando gostasse
Diria amar quando amasse e outra coisa quando outra coisa
Ele veria que o que o outro pensa é diferente do que ele pensa
E entenderia que isso é o que torna o outro verdadeiramente outro
E que é isso que torna ele tão somente ele
O homem perfeito saberia no que é bom e que os outros não
E não esperaria que os outros fossem bons também
E veria nisso a chance de ser útil, não de ser indispensável
O homem perfeito daria de graça o que recebeu de graça
E cobraria o justo pelo que é justo que seja cobrado
O home perfeito não precisaria ser impecável
O que faria perfeito é o como ele lida com seus pecados
E o que ele chamaria ou não de pecado.
Seria a sua coragem de fazer o errado quando é o mais certo a se fazer
E de se jogar rumo a uma nova vida quando ninguém mais o faria

O que faria meu homem perfeito tão perfeito quanto se possa ser
Seria sua facilidade de abdicar de ser perfeito para se tornar feliz.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Preconceitos Estéticos

     Todos nós temos preconceitos estéticos. Falso é quem diz que não os têm. Somos treinados desde novos a reconhecer o belo e o não belo, e tratamos instintivamente as duas coisas de maneiras diferentes. Já é verdade absoluta, por exemplo, de que comidas bonitas recebem melhores avaliações de sabor que comidas feias. Ou ainda, sabemos que flores vendem mais que folhas. Não estou dizendo que não existem exceções, pois elas existem e são muitas. Porem estou enfatizando o fato de que mesmo que lutemos contra, sempre teremos preconceitos estéticos por que estes são fatos inclusive evolutivos.
     Vivemos num mundo de imagens. Nossa comunicação escrita está cada vez mais sendo trocada pela comunicação visual. As antigas provas de português discursivas com textos de duas páginas agora cedem lugar para questões fechadas onde a leitura de mundo e avaliada não só com texto, mas também com um quadro ou uma charge. Sendo assim, não era de se esperar que os valores estéticos diminuíssem. Muito pelo contrario. A dita geração saúde, aquela depois da “geração Coca-Cola”, acabou se tornando a “geração fitness”. Não estamos falando de ingerir alimentos orgânicos ou estar em dia com o seu sistema cardiovascular. Esta geração dita saldável bate cada vez mais os recordes dos hospitais quanto ao que diz respeito a intoxicação, overdose de remédios, rompimentos e lesões provenientes de esforço excessivo... A pouco tempo atrás, esse ultimo só ocorria com pedreiros e trabalhadores do campo.
     Mas a apelação em prol da estética não é nova. No inicio do século passado ainda se usavam diversas toxinas perigosíssimas como recursos estéticos. (Não me refiro aqui à toxina botulínica, que recentemente se tornou uma febre. Falo sobre antigas toxinas, em sua maioria extraídas de vegetais, usadas para dar a cor escura das sombras que temos hoje ou ainda vasodilatadores para os lábios.) Além disso, conhecemos bem outros casos estramos, como o crânio deformados das mulheres no antigo Egito, o pescoço alongado das mulheres-girafa ou os pés deformados por sapatos minúsculos de porcelana dos antigos impérios orientais. Digo tudo isso apenas para reiterar o fato de que a busca extrema por uma estética perfeita não é uma novidade, e sim é uma característica inerente das civilizações humanas.
     Vou me abster um pouco de falar aqui tudo que poderia sobre a reflexividade que a mídia oferece à padrões estéticos não convencionais, até por que estes padrões mudam e felizmente algumas empresas conscientes lutam fortemente para quebrar alguns tabus. Prefiro falar aqui dos nossos preconceitos, os que temos enraizados culturalmente em nossos cérebros. Um belo exemplo: Eu nasci em uma família típica de Minas Gerais. Grandes almoços em família eram um dos afazeres clássicos do fim de semana e uma das minhas mais doces lembranças do mesmo era minha avó no fogão a lenha cozinhando. Minha mãe também cozinhava divinamente e sempre fazia questão de por meu prato quando eu era pequeno e perguntar sobre minha vida com todo o carinho que manda o gabarito. Com isso, acabei relacionando a ideia de meiguice e carinho a pessoas mais gordas. Nunca achei que pessoas magras não podiam ser carinhosas, mas sempre que via uma pessoa gordinha pensava “Essa pessoa deve ser legal!”. A maioria das vezes eu acertei, talvez até por uma predileção minha a achar algo e não pela pessoa o ser. Outro dos meus preconceitos estéticos está na dificuldade de conversar com pessoas mais bonitas que eu. Aqui acho que o fato de eu ter levado muitos tocos de pessoas lindas ao longo da minha vida me faz relacionar o fato de que a pessoa é bonita com o fato dela me rejeitar. E é triste, por que as vezes conheço pessoas maravilhosas e lindas e simplesmente não consigo falar por conta de um medo bobo e infundado.
     Outro fato curiosos é que a maioria das pessoas tem tanto medo da rejeição estética que acabam por misturar a imagem do que querem ser da de com quem querem estar. Com isso, acabam se formando coisas que chamo de “castas estéticas”. Explico: Pessoas com padrões estéticos parecidos que só namoram ou saem com pessoas dentro do mesmo padrão estético, que juntas formam um conjunto fechado. O mais fascinante disso é que se pensarmos em uma cidade mediana como a minha, dentro de pouco tempo você varreu boa parte das possibilidades dentro de uma casta estética, e.g., ainda outro dia estava dentro do cinema e vi dois ex-namorados de uma mesmo amigo meu juntos. Não é mais raro ver situações como essa. A quem diga que a solução moderna para a felicidade é a clonagem. Bem, eu sou destes que discorda. Que prefere pessoas esteticamente diferentes do que eu sou. É uma questão de gosto, o que torna tudo completamente pessoal.
     Porem, apesar de eu defender o fato de que os preconceitos estéticos são naturais, me pergunto como é difícil lidar com eles. Imagine uma pessoa que cresceu num meio completamente exótico, sei lá, como hippies. Depois de uma certa idade, quando as pessoas começam a se interessar por você, elas serão de todos os tipos! Você pode ter criado tantos preconceitos ao longo deste tempo vivendo em uma bolha estética tão limitada... E não me refiro aqui à predileções, por que essas são mais naturais ainda! Sentir atração por pessoas com uma dada característica é normal e saldável. O problema está quando nos negamos a possibilidade de gostar de alguém só porque você é branco e ela é negra, ou porque você é forte e ele é gordo, ou porque você tem umas tattoos e ela não tem nenhuma... Começamos a ter que repensar nossas opiniões quando elas nos limitam ou fazem com que limitemos o próximo. O quão longe será que nossos preconceitos estéticos vão nos levar (ou nos impedir de ir)?



"Um Alastus que não teria sofrido tanto..."
Por João Paulo Alastus

domingo, 26 de outubro de 2014

Nada Deve Ser Desculpado

     Nunca tive tanto do que me desculpar em tão pouco tempo. Longe de mim ser perfeito, mas geralmente penso bem nas consequências de meus atos antes de tomar qualquer atitude leviana. Nos últimos messes tenho sido muito mais emotivo do que deveria, e som isso minha vida tem se tornado uma imensa sucessão de pequenos erros. Em muitos eu mesmo sou o maior prejudicado, e isso me reconforta um pouco. Mas, na maioria dos casos, eu acabei ferindo também a grandes amigos e a meus familiares... E não posso me perdoar por isso. Não peço desculpas aqui por que acho que a culpa é, no fim das contas, uma benção! Saber que eu errei pode prevenir as pessoas de que eu sou humano, por mais que me esforce para não ser. Apenas quero escrever um pouco sobre meus arrependimentos e sobre o pesar que tenho hoje em ver algumas das coisas que fiz.
     Talvez a primeira que eu deva falar foi a que mais gerou impacto sobre mim diretamente. Nos últimos tempos deixei que minha vida pessoal afetasse de maneira muito significante o meu trabalho. Com isso, tenho tido uma enxurrada de resultados muito inferiores aos que de fato deveria ter tido. E isso não se aplica só às notas, se aplica à pesquisa que desenvolvo, se aplica aos meus trabalhos acadêmicos , se aplica aos meus seminários... Todos tem sido menos do que a metade do que eu poderia fazer, mesmo com todos os problemas que tenho enfrentado. Nem mesmo nos jogos, que eram uma diversão comum, eu tenho me empenhado tanto quanto me empenhava antes. Tenho listas, resultados e avaliações pendentes das quais, boa parte não terei como recuperar.
     Boa parte dos problemas que venho enfrentando vem por conta de um emotivo e irracional comportamento que tenho tido de tentar ser feliz com pessoas e coisas que certamente não me deixam feliz. É idêntico a quando comemos uma sobremesa maravilhosa mesmo estando de dieta. Durante é ótimo, mas depois nos sentimos tristes e deprimidos... Com culpa... E a culpa é justificável, pois o que fizemos foi errado. Traímos nossos próprios princípios prévios na tentativa desesperada de uns instantes de alegria... E não há nada que nos fere mais do que a autotraição. Durante essas tentativas, acabei ferindo relações com pessoas maravilhosas. Algumas tão maravilhosas que fugiam de mim apenas para não me dizer “não” ou para não me verem chorar, o que talvez lhes cortasse a alma. Cheguei sentir sentimentos fortíssimos e verdadeiros sim! Mas sei que de fato não era pra ser. Não deveria ser! Não seria justo, não seria certo e não seria honesto comigo e com essas pessoas! Cada flor e cada sorriso, cada palavra dita, foi sincera. Mas, racionalmente, sei que estava jogando minhas sementes, que já não são muitas, em solos vizinhos, quando minhas raízes ainda estavam atadas ao solo de que sai. É vergonhoso admitir ter certamente me enganado e ter talvez iludido pessoas a quem amo de verdade e não mereciam ter passado por nada daquilo que as fiz passar. Talvez ouvir um “não” tivesse doido bem menos, mas não mereço nem isso...
     Por outro lado, tiveram pessoas de quem eu gostava desde sempre. Essas sempre gostaram de mim incondicionalmente e eu nem sempre soube retribuir todo esse amor como eu deveria... Talvez por medo de pressionar ou por medo de ficar sozinho, acabei não estando junto dessas pessoas tanto quanto eu deveria (ou precisava) e com isso criei uma ponte enorme entre nós. Assim como já disse, foi ai que tentei felicidades que não eram minhas, com pessoas que não eram as certas pra estar comigo, quando eu sabia quem as pessoas que eu realmente amava e que me amam também. Eu sempre soube, na verdade... Por isso não dormia em paz! No fundo, eu já me martirizava por fugir de quem eu sabia que deveria estar do lado! Mais uma vez, trai quem de fato eu mesmo sou! Com isso, perdi muito tempo... Tempo esse que não tem mais volta! Tempo que eu simplesmente não vou viver mais... Sabem, a grande diferença é o medo de perder... Tem pessoas nas quais pensamos quando estamos tristes e sozinhos, pessoas nas quais nos espelhamos e pessoas que mesmo distantes sabemos que podemos confiar... São essas que eu deveria estar dando o devido valor... Mas infelizmente não estou...
     Mais uma vez, reitero que desculpas não são o que quero. Quero que me culpem por isso e que vejam que eu errei, e que erro... Mas que também sinto o peso dos meus erros e tenho consciência! (Só pra constar, ela tem a voz da Anain e anda bem mais pesadinha do que eu gostaria.) Quero dizer que vou tentar mudar! Vou tentar não importunar mais as pessoas com quem me iludi tanto e a quem fiz sofrer mais do que qualquer um merece. Vou tentar mostrar o amor que tenho aos que amo e me amam também, mesmo que eu tropece ou me perca no caminho. Conto com essas pessoas mesmas pra me darem tapas e me porem guias de burro se for preciso... Além disso, vou tentar não me punir mais por conta do que sinto e penso e tentar levar minha vida em frente, aos trancos e barrancos... Infelizmente, posso prometer apenas que irei tentar, pois depois de errar tanto, e com tantos, não confio tanto assim em mim...

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

O Astrônomo e o Nevoeiro

Antes

     Houve uma época na qual o Grande Reino se encobriu em Névoa. Névoa tão densa que os Cavaleiros do Rei andavam com os cavalos amarrados uns aos outros, para que não se perdessem. Os Comerciantes, com medo de alvo de saqueadores, fecharam as portas e as janelas dos armazéns. Poucos eram os que se arriscavam a sair de suas cabanas, pois o mundo fora delas próprias havia se tornado um mundo de desconhecidos e de frio cortante.
     Eu, antes do Grande Nevoeiro se instalar, era um Contemplador Real, titulo dado pelo próprio rei aos que ele julga sábios da arte da contemplação do belo. Era conhecido por todo o reino por saber a posição de cada estrela do céu em cada lua do ano e por saber só de olhar quais as maçãs prontas para a colheita e as que ainda deviam esperar. Lia, na mão dos aldeões o futuro de seus filhos e dos filhos deles sem errar nem uma linha... Mas isso foi antes do Grande Nevoeiro.
     Depois dele, pouco sabia de todas essas coisas. Na verdade, ainda poderia apontar no céu e dizer que lá estava uma bela estrela e dizer que as maçãs estavam maduras, mas não podia mais Contemplar nenhuma dessas coisas. Existe uma sutileza entre o Contemplar e o afirmar. Afirmar, sem Contemplar, é simplesmente ter esperança. Sendo assim, passei de Contemplador Real a um simples Semeador de Esperanças.
     Vagava pela névoa e pegava na mão dos Aldeões que por mim passavam. Vendo suas mãos sujas de tatear o chão procurando caminho na Névoa, eu ainda podia dizer de seus filhos e dos filhos de seus filhos, e assim fazer com que cressem que a névoa era um estado passageiro. Apesar de não ser a profissão que eu tinha escolhido pra mim, eu era um Semeador de Esperanças feliz.


Durante

     Numa dessas minhas caminhadas, encontrei um jovem rapaz. Ele estava sentado na grama molhada e olhava pro alto, pro distante. Aproximei-me dele para tentar ver o que ele observava tão atentamente, mas eu só via Névoa. Ele parecia tão solitário mas ao mesmo tempo tão seguro do que fazia que em instantes me convenci de que esse rapaz não precisava de um Semeador de Esperanças, e segui meu caminho.
     Passei pelo mesmo lugar algumas vezes e vi que ele sempre estava lá, olhando pro alto na Névoa... Isso começou a me instigar. De certa forma, esse rapaz me lembrava eu mesmo no meu tempo de Contemplador, e isso me fazia reviver boas lembranças da profissão que já não mais restava em mim.
     Certa noite eu perguntei “Olá, sou o Semeador de Esperanças Real. Quem és tu?”. Não houve resposta por alguns instantes, até que ele balançou a cabeça, como quem desvia o foco de algo importante, e respondeu “Sou um Astrônomo. Desculpe, estou trabalhando.”. “Trabalhando?”, me perguntei. Astrônomos precisam ver o céu pra trabalhar, e eu só via Névoa. Mesmo assim deixei o suposto astrônomo, que se dizia tão ocupado, cuidar do seu céu de névoa.
     Dias depois ainda estava ele lá. Me aproximei indignado. “Ainda a ver estrelas, Astrônomo real?”. E a resposta veio na forma de um rápido e eficaz “Sim.”. Falei, “Bem, será que não terias um momento para um Semeador de Esperanças? Talvez possa te ajudar em algo.”. O Astrônomo mal esboçou reação, apenas Estendeu a Mão para mim. 
     Em suas mãos, as linhas cruzadas me disseram que ele era rei de seu próprio reino e que tal reino era terra que só ele poderia plantar. As linhas disseram que eu nada eu poderia fazer pra ajudar, por que não havia Bom Fruto que eu pudesse Semear que lá já existisse com abundancia. Pela primeira vez, peguei na mão de alguém que não precisava de um Semeador de Esperanças.
     Largando sua mão, tirei um pote do meu bolso e pequei uma pequena semente dentro. Disse “Tome, bom Astrônomo Real. Não posso Semear nada que já não tenhas consigo. Te dou das minhas próprias sementes, um único grão é tão doce que pode matar a fome se quiseres. Mas os mais doces grão vem se quiseres o cultivar no solo onde só tu podes plantar.”. O jovem Astrônomo sorriu sem tirar os olhos do seu céu e disse “Obrigado.”, colocando a semente que eu havia lhe dado em seu bolso.
     Semanas depois, passo na mesma grama em meio ao Grande Nevoeiro, e ouço a voz do Astrônomo dizendo “Sente-se comigo, Semeador de Esperanças. Vamos olhar as estrelas.”. Ainda que incrédulo, sentei ao seu lado. Olhando para o alto, mesmo só vendo Névoa eu ainda sabia a posição de cada estrela do céu. Mesmo que por trás do véu branco. “O que vês no céu, Astrônomo Real? Quais estrelas estais a estudar?” Indaguei curioso. E ele disse “Vês a grande estrela rosada que quase toca o topo do céu hoje? É ela que estou a estudar.”. Eu sabia que tal estrela não estava lá, nem antes nem depois da névoa, mas mesmo assim ele olhava reto na tal direção.
     Curioso, perguntei: “O que mais vês no céu, Astrônomo do Rei? Conte para que eu também possa conhecer teu céu.”. Peguei no meu bolso meu velho caderno de Contemplador e me propus a tomar nota. Nos próximos dias, tudo o que fiz foi catalogar o céu do Astrônomo Real. Não demorou muito para que eu soubesse de cor a posição de cada estrela da qual ele falava, mesmo por trás da Névoa. E não demorou para que eu começasse a troca-las pelas minhas antigas estrelas. Quando desenhava um mapa, via que nele eu colocava estrelas que não eram minhas. Como se o céu que eu agora conhecia fosse fruto de uma fusão. Não mais conhecia o céu por trás do Nevoeiro com meus olhos, e sim com um meu e um do Astrônomo Real.


Após

     Não foi só o céu do Astrônomo Real que mudou meu céu. Sua presença em meio a Névoa havia se tornado uma das únicas que eu de fato notava. Andava pelas ruas e, se algum Aldeão o pedisse, fazia vagas previsões sobre o por vir e Semeava a Esperança de uma maneira fraca, sem muito valor de fato. Dava apenas a quantidade necessária para a não desistência.
     Além disso, notei o quanto a ausência do Astrônomo Real me abalava. Nas tardes mais claras, quando o Grande Nevoeiro se fazia mais branco que cinza, não o encontrava no gramado de sempre. Por vezes, ele só regressaria na noite seguinte, com um sorriso de canto e com a frase de sempre: “Dias claros não são para os Astrônomos, caro Semeador de Esperanças.”. Na verdade, por vezes eu fiquei apenas sentado na grama e olhando para o auto, vendo o branco da Névoa com os olhos, mas o céu do Astrônomo em meus pensamentos... Não me incomodava o fato de que ele não viesse, apenas pensava no quanto seria bom estar em sua companhia.
     Fui tomando consciência de que tinha passado de um Contemplador arruinado para um Semeador que não semeava mais, apenas contemplava. E o que eu contemplava era a chave de tudo. Eu era agora o Contemplador Real do Astrônomo Real. Fiz desse passatempo uma tarefa e aos poucos tornei essa tarefa um ofício. Mas não era tão bom ter mudado assim...
     Como Semeador, deixei a desejar. Ao longo dos últimos tempos tinha tido uma única semente. Semente essa que nunca havia visto semelhante, nem em meus tempos de Contemplador Real. Porem, não sei mais onde essa semente está... Na verdade, sei pra quem a dei, mas um Semeador também deve dar terra, dar água e dar proteção, e não só entregar a semente. Um Semeador não é um bom Semeador se não obtêm os frutos de sua semente.
     Mas porque não vi os frutos? Por que se quer eu os semeei! Não Preparei o Solo, não Dei Água, não Cuidei... Se não houvesse tanta Névoa, talvez o Rei já tivesse me destituído do meu cargo por inabilidade. E seria justo.
     Meu maior erro foi Contemplar quando na verdade deveria ter aceitado meu ofício de Semeador. Meu maior pecado foi me deixar Fascinar, e com isso deixar de ser o que era para me tornar o que eu almejava ser... Deixar de viver a minha vida para viver a vida que eu queria viver...

domingo, 2 de fevereiro de 2014

Lamentavelmente Mudei

     Um dia eu percebi que não mais me apaixonava... Apenas gostava...
     Quando notei o que tinha ocorrido, mal pude acreditar. Não sabia como eu, ao longo de cada um destes anos, me tornei assim. Sabia, porem, que não voltaria a ser como era. Olhei no espelho e me perguntei como pude, me perguntei o porquê... Mas não sabia... Eu tinha perdido o que eu julgava mais nobre em mim e agora eu era comum, mais uma alma perdida...
     Quis chorar, mas parece que até este dom me foi roubado. Todas as lagrimas que já avia derramado agora estavam secas. Talvez já tivessem sido até bebidas após choverem, talvez tenham ajudado a muito mais pessoas do que a mim... Quando precisei das preciosas gotas de tristeza para acalantar a morte do meu próprio coração, notei que já tinha as dado para outros que delas mal fizeram uso... Outros corações que já jaziam sub a mesma lápide onde hoje o meu repousa...
     Olhava para os belos rostos e sorrisos ao meu redor e todos me eram iguais. Quando um se aproximava, meu cérebro dizia simplesmente “gosto”, “agrado”, “admiro”... O outros termos que eu outrora usava simplesmente sumiram... Não mais existia um alguém que me fazia rir ou chorar, no máximo eles me arrancavam sorrisos empáticos e sem mais a doce e valiosa inocência que eu já não mais tinha...
     O que será que ocorreu a ela... Terá morrido de tédio ou se afogado em sua própria melancólica existência? Talvez ela me tenha sido roubada por cada um dos que de mim se aproximaram e criaram em mim vazias e dolorosas esperanças... Mas quando penso neles, não tenho forças para culpá-los pelo furto de nada, quanto menos da minha inocência, do meu antigo espírito de apaixonado.
     Talvez não seja um caso de morte, mas sim um sequestro... Parece que não mais sei chorar por minha própria dor e me apaixonar por outros, mas ainda choro por cada um destes que por mim passaram. Ainda sinto o mesmo calor no peito por eles que não sinto por mais ninguém...
     Será que eles tomaram partes de mim pra si? Será que o que eles têm não pode ser devolvido? Eu preciso disso! Preciso amar novamente, assim como eu os amei um dia! Minha alma clama pela doce ilusão de estar apaixonado assim como o injustiçado clama por justiça... Dizem ainda que mesmo a mais seca das minas pode dar ouro a um habilidoso mineiro. Será que, caso meu eu roubado por tantos não tenha retorno, ainda terei algum resquício de inocência para oferecer?

sexta-feira, 10 de janeiro de 2014

Negociação

     E se de amar eu sorrisse o mais puro dos sorrisos? E amasse tão belo quanto a mais bela das flores e chorasse um choro tão límpido que desce inveja ao grande lar das sereias? Será que assim me amaria?
     E se eu compusesse um hino impar à sua beleza? E se louvasse seus olhos como os que louvavam aos deuses do passado o faziam e erguesse um monumento de jaspe em seu nome? Será que nem assim me amaria?
     E se eu espalhasse aos quatro ventos poemas de amor? E se desenhasse cada parte do seu corpo de uma vez e por fim um grande retrato seu fosse formado, recobrindo todo o céu? Ainda assim, será que não me amaria?
     Se eu mudasse a língua do mundo para sua favorita? Se eu comprasse seu restaurante predileto ou ainda pagasse um show daquele cantor que embalava cada um de seus sonhos? Mesmo assim, não mereceria que me amasse?
     Se eu me lançasse longe de quem eu sou? Se eu deixasse meu eu a deriva no mar mais distante, fazendo apenas o que te faz feliz, e ignorasse tudo o que eu sou para ser o que você queria? Ai de fato você não me amaria...
     Posso dar tudo em troca do seu amor, e daria... Mas se desse quem eu de fato sou... Quem você estaria amando?